UMA AMEAÇA RONDA A INTERNET
Imagine poder entrar por
um fio e conhecer o mundo em tempo real, pelo preço de uma ligação telefônica,
ou menos, sem sair fisicamente do lugar e sem passar pelos transtornos gerados
pelo deslocamento no apinhado mundo moderno. - Isso não é ficção científica - é
a realidade proporcionada pela Internet. E poucas pessoas, a menos de quinze
anos, acreditavam que isso seria possível algum dia !
A idéia da aldeia global enfim está concretizada. Apesar do homem, na maioria
das vezes, não conseguir se entender com seus semelhantes - vejamos as guerras
e a violência - ele possui a ferramenta para distribuição de idéias e
informações, mais poderosa que existe. Sem ligar para fronteiras, vencendo a
barreira dos idiomas e das ideologias, a Internet leva diariamente a milhões
esperança, educação, respostas às suas indagações, as mensagens mais esperadas
de parentes e amigos, informações que facilitam os negócios nas empresas e a
mais variada e interessante diversão que se possa querer, por um preço tão
baixo.
É sem dúvida a expressão
máxima do intelecto e liberdade do homem, em sua busca incessante de respostas.
Apesar da
ilegalidade/irresponsabilidade que alguns grupos tem adotado na internet, com a
distribuição de propaganda indevida (spam); disseminação de vírus e outras
pragas virtuais destinadas à fraude ou ao dano mal intencionado; incentivos à
pedofilia, racismo e outras barbáries; não devemos esquecer que, a internet
espelha tão somente o que a humanidade já vem fazendo há muito tempo de outras
formas e em outras mídias, não sendo portanto, responsável direta por isso.
O bom é que ela, por enquanto, tem se mostrado como o meio de comunicação mais
livre e imune à censura que existe, apesar de vários grupos e governos tentarem
controlá-la.
Infelizmente, entretanto, parece que essa liberalidade está chegando ao fim. Em
matéria de Paulo Sotero,
correspondente em Washington, para o Estado de São Paulo no dia 18 de junho de
2006, o jornalista menciona que a comissão de Comércio do Senado americano
pretende discutir um projeto que “poderá afetar dramaticamente, no futuro, o
acesso, a velocidade e o preço que os usuários da internet pagarão para usar a
rede global de comunicação nos Estados Unidos e no resto do mundo.”
Péssima notícia esta!
Quando a internet vai se popularizando ao máximo e começa realmente a
proporcionar os ganhos tangíveis e intangíveis esperados, passando pela
inclusão digital de povos inteiros, disseminação do e-learning e voz sobre IP,
onde o custo de uma chamada internacional é o mesmo de uma local, corre-se o
risco de perdermos tudo o que foi conquistado até agora.
O correspondente do Estado
cita na matéria que a “preservação do princípio da ‘neutralidade da rede’, que
nasceu com a internet e deu-lhe o caráter aberto e democrático que teve até
agora”, pode acabar.
Tal princípio está baseado
no fato de que as grandes empresas telefônicas e operadoras de cabo, que afinal
são as donas do meio físico (redes de cabos) pelos quais as informações
trafegam, não podem “discriminar os usuários, garantindo o fluxo livre e rápido
das informações online, sem privilégios quanto à velocidade dos serviços
oferecidos”.
A matéria ressalta o fato
de que está justamente no avanço da tecnologia de Voz sobre IP a grande ameaça
à liberdade da internet, decorrente do serviço que vem sendo oferecido por
operadoras de cabo e que, vem obviamente, tomando mercado das empresas de
telecomunicações.
Excluindo-se as
decorrentes questões legais, que tal celeuma causa, e que são notórias nos
Estados Unidos, parece que a liberdade da internet está com os dias contados.
Na referida matéria, Sotero menciona que a maioria conservadora dos deputados
“rejeitou expressamente uma proposta para preservar o status quo e aproveitou linguagem
que, se mantida, permitirá a telecoms como a AT&T e Verizon e à empresa de
cabo Comcast criar faixas mais rápidas de tráfego online em suas redes, discriminar por conteúdo e
cobrar por isso.” Ou seja, a internet ficará cada vez mais parecida com a TV a
cabo do que com a de sinal aberto.
A briga entretanto, vai
ser dura. Afinal, há muita gente contra o fim da “neutralidade da rede”
(empresas do porte da Microsoft, Google, eBay e Yahoo por exemplo). Seja qual
for o resultado final, desconfio que nós usuários, acabaremos sendo os maiores
prejudicados no processo, pois queiramos ou não, essas atitudes bloquearão por
um bom tempo, novos avanços na rede e no compartilhamento democrático de
informação.
Não nos iludamos porém,
que essa briga diz respeito apenas ao idealismo versus ganância. Não existe,
apesar dos belos discursos de “software aberto para todos” e “inclusão digital”
algo que não seja a busca por lucros nesse processo, por qualquer um dos lados.
A internet, apesar do início econômico tumultuado na década de 1990, que
culminou com o “estouro da bolha da Nova Economia”, jamais deixou de ser vista
como uma das arenas mais atraentes para os novos negócios e vem dando enfim o
retorno esperado. O que ocorre nessa briga pela “neutralidade da rede”, nada
mais é do que a concorrência que um novo negócio traz a outros já consolidados.
É o que Michael Porter denominou de
“Novos Entrantes” e “Substitutos” no Mercado, em sua espetacular obra Estratégia Competitiva (ver meu artigo O Futuro de Seu Negócio – Evoluindo no Tempo
para maiores detalhes.)
Esse retrocesso
entretanto, não é fato novo. Os interesses econômicos sempre estiveram em
primeiro plano. São o que vem movendo o mundo até hoje. Por exemplo, Sérgio Dávila em artigo para a Revista
da Folha de 25 de junho de 2006, fala sobre certo complô envolvendo a GM
americana para matar seu carro elétrico EV-1 na década de 1980, em detrimento
do motor a gasolina.
Theodore Levitt em seu artigo clássico Miopia
em Marketing de 1960, cita vários exemplos de negócios sólidos, em mercados
consolidados, que praticamente desapareceram na bancarrota quando competiram
com novidades. Ele cita o exemplo das imperturbáveis empresas ferroviárias
americanas fortemente atingidas pelo advento dos automóveis, caminhões e aviões
em seu mercado – os transportes. Menciona o fato do surgimento dos
supermercados que praticamente acabaram com as grandes redes de mercearias da
década de 1930, mais uma vez atacando seu mercado – venda a varejo.
Levitt foi um dos
pioneiros na idéia da “destruição criativa”, onde empresas literalmente matam
seu negócio em busca de outro melhor e que satisfaça quem realmente interessa,
ou seja, o cliente. Em suas próprias palavras: “as companhias que vêm trabalhando na descoberta de exóticos
combustíveis sucedâneos dos atuais estão indo diretamente para os braços
abertos dos irritados motoristas [com o preço alto e a ineficiência da
gasolina – minha nota]. A consecução de
seu objetivo é inevitável, não porque estejam criando algo que é
tecnologicamente superior ou mais sofisticado, mas sim porque estão atendendo a
uma forte necessidade do cliente. Também estão eliminando odores prejudiciais e
a poluição do ar.” - Percebemos
inclusive, que a questão ambiental nem é de perto, o principal motivo da busca
por novos combustíveis e sim, mais uma vez, o bolso do cliente. (ver meu artigo
Inovação é a Solução! , bem como meu
livro Evitando a Falência, para
maiores detalhes).
Portanto, o que vemos
ocorrer hoje com a internet, não passa de mais uma dessas batalhas mercadológicas,
onde os interesses de uns grupos se sobrepõe aos de outros, mais uma vez, sem
levar em consideração o que realmente importa: nós os clientes.
Henrique Montserrat Fernandez é Administrador de Empresas com
pós-graduação em Análise de Sistemas e MBA em Tecnologia da Informação /
E-management pela Strong/FGV. Com 28 anos de atuação profissional, trabalhou em
empresas de médio e grande portes, tais como Grupo Bonfiglioli, Copersucar e
SENAC, entre outras. Foi Gerente de Sistemas e Métodos da Zanthus, tradicional
fabricante de Terminais Ponto de Venda, onde atuou por mais de seis anos. Foi
também professor universitário na década de 90, além de possuir vasta
experiência em treinamento empresarial. É especialista nas normas ISO 9000,
sendo Lead Auditor pela Perry Johnson Inc., desenvolvendo, inclusive, softwares
para essa área. Atual Diretor da Zamplex Consultoria, é autor do livro
"Evitando a Falência - Garanta o Sucesso de Seu Negócio" (www.zamplex.com.br) e
co-autor em "Os Mais Relevantes Projetos de Conclusão de Cursos MBAs
2002" da Strong/FGV Management, além de escritor de vários artigos sobre
gestão empresarial.