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O Bombeiro burocrata

Atuo na área de TI há algumas décadas, sempre focado no ambiente de Produção, e pude presenciar as mudanças tecnológicas e de conceitos que ocorreram ao longo deste período. Uma dessas mudanças que mais me chamou a atenção foi a implementação de Processos para registros de incidentes. Sei que isso se deu necessário para registros, auditorias internas e externas tudo afim de documentar e ter um plano de ação em casos futuros. Essas razoes por si só já justificam a existência de tais processos. Mas será que essa ideia não poder ser questionada? Será que isso é uma verdade suprema? Já vimos outras verdades supremas caírem com o tempo. Vou tentar expor minha opinião contando uma história fictícia:


Numa manhã de domingo ensolarado, Carlos, proprietário de uma casinha em um bairro popular, acorda sentindo um cheiro de queimado. Levanta-se e sai à procura da fonte misteriosa do odor. Logo descobre uma nuvem de fumaça vinda do quartinho que tem no seu quintal. Abre a porta desse pequeno quarto e descobre um princípio de incêndio provocado por um curto circuito elétrico e vê que as chamas começam a se alastrar pelo pequeno cômodo e decide, acertadamente, chamar o corpo de bombeiros da cidade.


Apenas alguns minutos depois da ligação feita, uma viatura do corpo de bombeiro chega ao local. Um bombeiro com uma prancheta na mão procura pelo Sr. Carlos Eduardo Souza, o dono do imóvel e quem fez o chamado aos bombeiros. Carlos se identifica e o bombeiro vem até a sua pessoa e começa um questionário. Carlos, surpreso com a ação do bombeiro pergunta:


- O Senhor não vai apagar o princípio de incêndio? Toda a minha casa corre o risco de virar cinzas.


Nisso o bombeiro o tranquiliza e volta as perguntas.


- Tenha calma Sr. Carlos, antes precisamos de algumas informações que são fundamentais para que nosso trabalho seja feito com perfeição. Não se preocupe, pois, temos o controle de tudo.


Carlos fica preocupado, mas diante da segurança com que o bombeiro lhe falou, atende o pedido do bombeiro e começa a responder o questionário.


- Quantas pessoas há na casa? Há crianças no imóvel? O senhor reside aqui há quantos anos? Já houve outros incidentes como este no passado? O senhor imagina qual o motivo que levou a este incidente? Tem seguro residencial contra incêndios? E assim seguem mais perguntas.


Carlos responde com clareza todas as perguntas e vê que o fogo se alastra pelos outros cômodos da casa e os bombeiros ainda não tiveram nenhuma ação contra o fogo.


- O senhor não vai apagar o fogo agora? – Exalta-se Carlos.


- Calma, meu senhor, precisamos destas informações para registro da ocorrência. No futuro essas informações serão muito úteis pois formaremos uma base de dados e de conhecimento muito sólida e que irá nos ajudar em casos futuros. Agradecemos muito pela sua colaboração e informações.


Carlos não entende essa atitude, muito menos essa necessidade e vê, já com os olhos cheios de lágrimas todo seu imóvel em chamas.


Terminado o processo de recolhimento de informações o bombeiro, agora sim, se volta para o incêndio, e vê que o fogo já toma todo o imóvel.


Carlos irritado com a ação do bombeiro exige do mesmo uma ação imediata:


= O senhor vai ficar aí parado? Não vai fazer nada? Minha casa está toda em chamas.


- Eu não posso atuar no combate às chamas, não tenho treinamento para isso e nem autorização dos superiores para esta atuação. Minha função aqui é colher informações. Fique tranquilo que nosso colega, o bombeiro Rocha já está desenrolando a mangueira e começara o combate ao incêndio imediatamente. Fique tranquilo senhor, ele tem treinamento nisso.


O bombeiro Rocha finalmente começa o combate ao incêndio, mas não consegue impedir que o fogo se alastre e comece a ameaças as casas vizinhas.


Carlos cai no chão de joelhos ao ver que sua casa virou cinzas.


Outros moradores vizinhos, agora também com suas casas em risco, ficam preocupados e questionam o bombeiro.


- O senhor precisa chamar mais viaturas, aquele bombeiro sozinho não está dando conta do incêndio. Assim o bairro todo vai virar cinzas.


- Os senhores tem razão – Diz o bombeiro – Mas para chamar uma equipe maior preciso de um “De acordo” do meu superior, solicitarei isso agora.


Um incêndio de grandes proporções já toma conta do bairro quando o bombeiro recebe a autorização para solicitar outras equipes de combate a incêndio.


Minutos após a solicitação do bombeiro, chegam ao local outras equipes, agora sim especializadas em combate a incêndio de grandes proporções e começam seu trabalho imediatamente.


Logo o incêndio foi controlado, mas infelizmente, algumas casas se perderam. Lógico que Carlos perdeu sua casa.


Carlos irritado pergunta ao oficial dos bombeiros se eles fizeram as coisas de forma correta. O oficial responde de forma segura e imediata.


- Sim senhor! Nossa equipe seguiu rigorosamente o processo. Agiram como nós os preparamos para tal. Sei que algumas casas se perderam, mas com base nas informações colhidas aqui, em situações futuras, atingiremos um grau de satisfação muito melhor e reduziremos os prejuízos. Nossas equipes estão de parabéns.




Ainda bem que neste mundo real e cheio de processos nossos bombeiros não agem desta forma. Vão direto ao foco do incêndio e deixam as perguntas para depois.


O que quis exemplificar com esta história é o que, mais ou menos assim, acontece todos os dias nos tratamentos de incidentes críticos. Muitas vezes o foco da atenção saiu da sua causa matriz e é direcionado ao levantamento de informações ou realização de contatos que, na maioria das vezes, não atuarão na solução do incidente ou problema.


Muitas vezes um incidente evolui para crítico porque não houve uma tratativa imediata por um profissional ou equipe especialista por conta do processo de escalonamento.


Sabemos que a base de informação e seus registros são importantes para ações futuras, mas será que nosso cliente terá futuro? Será que seu negócio não foi comprometido? a nossa imagem como fornecedor de soluções não foi arranhada?


Eu não sou conservador ou saudosista, mas sou a favor de tratativas de incidentes ou problemas de forma mais simples e eficientes. Não sou contra processos, mas eles precisam ser mais eficientes, principalmente no que diz respeito a soluções.


Somos profissionais e, como tal, agimos seguindo as regras que nos sãos dadas. Seguimos o processo, mas temos que nos colocar no papel do cliente. Todos nós somos clientes e quando temos problemas com produtos ou serviços queremos uma solução rápida de definitiva.


Deixo claro que não sou contra Processos, sou contra a burocracia que trava o Processo.


Logo surgirá uma analista que ficará famoso ao sugerir a simplificação dos processos em TI. Será considerado um novo guru ou mago de TI e terá milhões de seguidores e suas ideias serão a referencias na área.


Todo processo deve ser questionado e melhorado continuamente. Em TI não existe uma verdade suprema. O que é bom hoje, amanhã pode estar obsoleto.





Pedro Roberto da Silva
Na área de TI desde o final dos anos 80.